A síndrome do X-Frágil (SXF) é uma das principais causas de prejuízos no neurodesenvolvimento e déficit cognitivo, possuindo forte relação com o Transtorno do Espectro Autista.
Sua etiologia está ligada a mutações no gene FMR1, o qual é responsável pela produção da proteína FMRP, que possui um papel crucial no neurodesenvolvimento e plasticidade neuronal. A diminuição na produção ou ausência da proteína FMRP gera consequências importantes para o funcionamento da sinalização endocanabinóide, conforme demonstram diversos estudos científicos [1].
Em nosso conteúdo anterior, explicamos em maiores detalhes a importância do sistema endocanabinoide para o funcionamento do sistema nervoso central e a sua relação com a SFX. Terapias que modulem a ação desse sistema podem representar uma alternativa terapêutica para portadores da SXF.
Neste contexto, cresce o interesse por derivados canabinoides como o canabidiol (CBD), o principal composto não psicoativo da planta cannabis e que possui uma variedade de efeitos no sistema nervoso.
Papel do canabidiol no sistema nervoso central na SXF
A ausência da proteína FMRP desregula a liberação do endocanabinoide endógeno 2-AG. Nessa situação, o 2-AG começa a ser liberado de forma ectópica e não mais “sob demanda”. Isso gera consequências importantes, como ativação excessiva e dessensibilização dos receptores CB1, prejudicando a sinalização endocanabinoide no sistema nervoso em áreas críticas para o neurodesenvolvimento [1].
Por outro lado, o CBD é um composto que atua regulando, em parte, a sinalização endocanabinoide mediada pelo 2-AG e pelos receptores CB1. Sua ação é caracterizada por modulação alostérica negativa do 2-AG, o que, em última análise, leva a uma atenuação da atividade do receptor CB1, diminuindo também a sua internalização e dessensibilização [2].
Além disso, o canabidiol pode reduzir a internalização do receptor CB1 mesmo na ausência do 2-AG, aumentando assim a expressão de receptores CB1 funcionais nos neurônios [1,2]. Devido a estes efeitos, acredita-se que o CBD possa ser capaz de restaurar parcialmente a sinalização endocanabinoide prejudicada na SXF devido à falta da proteína FMRP [1].
O CBD pode regular a metilação do DNA
Quando pensamos em mutações no gene FMR1, na verdade, estamos falando sobre um processo chamado metilação de genes.
A metilação de genes é um processo biológico que envolve a adição de grupos metila aos nucleotídeos do DNA e que afeta a expressão gênica. É uma forma de regulação epigenética, ou seja, regulação da expressão gênica sem alteração da sequência de DNA. A metilação é um processo dinâmico que pode ser influenciado por fatores ambientais e por estados de saúde e doença.
A metilação do DNA promove a silenciamento gênico e impede a expressão de determinados genes. Por outro lado, a ausência de metilação em certas regiões do DNA pode levar à hiperexpressão gênica. Na SXF, há uma hipermetilação do gene FMR1, impedindo a expressão da proteína associada.
Cientistas acreditam que o CBD pode regular a metilação do DNA, pois estudos recentes constataram que a síntese de metionina (um aminoácido essencial) é diminuída pelo tratamento com composto [3]. A metionina atua como um substrato importante no processo de metilação e uma redução na sua síntese pode levar a uma menor metilação do DNA. Em outros estudos, pesquisadores descobriram que o CBD foi capaz de regular a metilação do DNA em áreas cerebrais como o córtex pré-frontal e hipocampo de camundongos [4,5].
Ainda de acordo com estes estudos, o CBD foi capaz de gerar efeitos antidepressivos nos animais estudados [4]. No entanto, ainda não foram relatados efeitos do CBD na metilação do DNA em modelos experimentais da SXF [1].
Novo estudo clínico indica benefícios no uso do CBD na SXF
Visando explorar os potenciais terapêuticos do CBD, um novo estudo clínico investigou o uso de um gel transdérmico de CBD para tratamento de sintomas comportamentais em pacientes portadores da SXF [6].
A pesquisa, nomeada CONNECT-FX, foi desenvolvida no formato duplo-cego randomizado de fase três, onde se buscou avaliar a eficácia e a segurança do gel para o tratamento de sintomas comportamentais em crianças e adolescentes com SXF. Os pacientes foram divididos de forma randômica em um grupo que usou o gel por 12 semanas (250 mg – 500 mg diários, com base no peso corporal) ou placebo de forma complementar ao tratamento padrão [6].
Foram avaliadas escalas para medir mudanças na evitação social em pacientes que tinham mutação gênica completa, independente do grau de metilação do gene FMR1. Os cientistas analisaram também a eficácia do gel em pacientes com mais de 90% de metilação da região promotora do gene FMR1, nos quais o silenciamento do gene é mais provável [6].
Ao todo, foram avaliados 212 pacientes com idade média de 10 anos. Mais de 70% dos pacientes avaliados apresentaram grau de metilação superior a 90%. Nestes pacientes, observou-se melhora significativa na evitação social e irritabilidade após o uso do gel de CBD quando comparado ao tratamento com placebo [6].
Além disso, houve uma porcentagem significativamente maior de melhorias relatadas pelo cuidador para evitação social, interação social e comportamentos irritáveis com o uso do gel. Estes resultados foram ainda mais consistentes em pacientes que apresentam 100% de metilação do gene FMR1, sugerindo que o composto pode ser mais eficaz quando há silenciamento completo do gene (casos mais graves de SXF). Quanto à segurança e efeitos adversos, o estudo concluiu que o gel transdérmico foi bem tolerado, apresentando apenas efeitos adversos leves ou moderados [6].
Em resumo, este novo estudo avança no entendimento da eficácia terapêutica do CBD e traz nova esperança para portadores da SXF. Apesar dos resultados promissores, novos estudos clínicos deverão ser realizados para ampliar o conhecimento e corrigir as limitações do estudo em questão.
Ensaios clínicos com um número maior de participantes, abrangendo pacientes adultos e por meio de administração de longo prazo são fundamentais para chegar a conclusões definitivas acerca dos benefícios do CBD na SXF.
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Referências
[1] Palumbo JM, Thomas BF, Budimirovic D, Siegel S, Tassone F, Hagerman R, Faulk C, O’Quinn S, Sebree T. Role of the endocannabinoid system in fragile X syndrome: potential mechanisms for benefit from cannabidiol treatment. J Neurodev Disord. 2023 Jan 9;15(1):1. doi: 10.1186/s11689-023-09475-z.
[2] Laprairie RB, Bagher AM, Kelly ME, Denovan-Wright EM. Cannabidiol is a negative allosteric modulator of the cannabinoid CB1 receptor. Br J Pharmacol. 2015 Oct;172(20):4790-805. doi: 10.1111/bph.13250.
[3] Perry CJ, Finch P, Müller-Taubenberger A, Leung KY, Warren EC, Damstra-Oddy J, Sharma D, Patra PH, Glyn S, Boberska J, Stewart B, Baldwin A, Piscitelli F, Harvey RJ, Harwood A, Thompson C, Claus SP, Greene NDE, McNeish AJ, Williams CM, Whalley BJ, Williams RSB. A new mechanism for cannabidiol in regulating the one-carbon cycle and methionine levels in Dictyostelium and in mammalian epilepsy models. Br J Pharmacol. 2020 Feb;177(4):912-928. doi: 10.1111/bph.14892.
[4] Sales AJ, Guimarães FS, Joca SRL. CBD modulates DNA methylation in the prefrontal cortex and hippocampus of mice exposed to forced swim. Behav Brain Res. 2020 Jun 18;388:112627. doi: 10.1016/j.bbr.2020.112627.
[5] Wanner NM, Colwell M, Drown C, Faulk C. Subacute cannabidiol alters genome-wide DNA methylation in adult mouse hippocampus. Environ Mol Mutagen. 2020 Nov;61(9):890-900. doi: 10.1002/em.22396.
[6] Palumbo JM, Thomas BF, Budimirovic D, Siegel S, Tassone F, Hagerman R, Faulk C, O’Quinn S, Sebree T. Role of the endocannabinoid system in fragile X syndrome: potential mechanisms for benefit from cannabidiol treatment. J Neurodev Disord. 2023 Jan 9;15(1):1. doi: 10.1186/s11689-023-09475-z.