Nas últimas décadas, evidências crescentes relataram a capacidade dos canabinoides em prejudicar a progressão do câncer in vitro e em modelos de xenoenxertos de cânceres humanos.
As atividades anti-tumorigênicas dos canabinoides incluem: (i) inibição da proliferação e migração das células cancerígenas, (ii) indução da morte destas células cancerígenas, (iii) comprometimento da neo-angiogênese e (iv) modulação da resposta imune antitumoral [1, 2].
O Δ-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) são os dois componentes ativos mais bem caracterizados contidos na cannabis, e os seus receptores, CB1 e CB2, foram encontrados super-regulados em tecidos malignos em comparação com suas contrapartes não transformadas.
Também já foi comprovada a correlação entre a alta expressão destes receptores e mau prognóstico para diferentes tumores humanos [3].
Os canabinoides como agentes anticancerígenos para o câncer de próstata
Os canabinoides demonstraram ser agentes anticancerígenos promissores no tratamento do câncer de próstata [4], e em pacientes com este tipo de câncer, a alta expressão de CB1 foi associada a um pior prognóstico [5].
Vários autores também relataram efeitos antiproliferativos e anti-invasivos mediados por CB1 em células de câncer de próstata [6, 7]. Além disso, foi recentemente demonstrado que o CB2 também controla a proliferação, migração e invasão das células tumorais em linhagens celulares de câncer de próstata e modelos in vivo [8].
Interações entre o sistema canabinoide e os componentes do microambiente tumoral
A progressão do câncer não depende apenas do comportamento das células cancerígenas, mas também do microambiente tumoral (TME) que evolui com as células cancerígenas, sustentando o aumento da malignidade do tumor [9].
Nesta direção, os fibroblastos associados ao câncer (CAFs), as células estromais mais representadas no TME da próstata, desempenham um papel intrigante durante todos os estágios da progressão da doença, incluindo na metástase [10, 11].
Num artigo publicado na revista Int J Mol Sci., os autores demostraram os efeitos de um canabinóide sintético, mesilato de WIN 55-212.2 atuando nos receptores CB1 e CB2, em linhagens celulares de câncer de próstata [12].
Neste artigo os autores utilizaram as células de câncer de próstata sensíveis a andrógenos (LNCaP) e insensíveis (PC-3 e DU-145), células epiteliais da próstata saudáveis (PNT-1), e os fibroblastos da próstata humana, isolados de pacientes portadores de câncer de próstata agressivo (escore de Gleason 4+5, 4+4, grau ≤ pT3), assim como fibroblastos normais provenientes da região saudável e da área tumoral [12].
Os pacientes incluídos no estudo foram submetidos à prostatectomia sem receber terapia de privação hormonal prévia.
Mesilato de WIN 55-212.2 prejudica seletivamente a sobrevivência das células do câncer de próstata
As atividades antitumorais mais bem caracterizadas dos canabinóides são sua capacidade de induzir a morte de células cancerígenas por apoptose e inibir a proliferação das células cancerígenas [2].
Neste artigo, para avaliar os efeitos antiproliferativos do mesilato de WIN 55-212.2 e CBD, as células LNCaP, PC-3, DU-145 e PNT-1 foram tratadas por 24 h com concentrações de mesilato de WIN 55-212.2 e CBD variando de 0,5 a 100 µM e, em seguida, a viabilidade celular foi analisada.
Os resultados mostraram que o mesilato de WIN 55-212.2 em concentrações ≥ 5 µM é um composto antitumoral seletivo, capaz de matar células tumorais sem afetar suas contrapartes não transformadas [12].
CAFs de pacientes com câncer de próstata agressivo regulam positivamente CB1 e CB2 em comparação com fibroblastos normais
A expressão dos receptores canabinoides (CBs) e TRPV1 também foi avaliada em fibroblastos primários derivados dos pacientes com câncer de próstata, e em relação aos fibroblastos normais, observou-se que a expressão de CB2 é mais de 2 vezes maior em CAFs do que nos fibroblastos normais, e CB1 é regulado positivamente em CAFs, embora em menor extensão, e TRPV1 é fracamente expresso em ambos os tipos de células [12].
Para investigar a regulação dos receptores CBs durante a ativação dos fibroblastos normais para o fenótipo CAFs, estes fibroblastos normais foram estimulados por 48 h com três diferentes citocinas inflamatórias: fator transformador de crescimento (TGF)-β, interleucina (IL)-6 e fator de necrose tumoral (TNF)-α.
Como resultados, foi possível observar que as células de câncer de próstata liberavam altas concentrações de TGF-β e IL-6 dentro do microambiente tumoral, desempenhando um papel na ativação dos fibroblastos residentes em CAFs [12].
Os resultados mostraram que todas as citocinas testadas conseguiram induzir a expressão de CBs, com aumento significativo nos níveis de CB2 [12].
Para confirmar o papel da IL-6 e TGF-β secretados pelo tumor na modulação da expressão de CBs, os fibroblastos também foram tratados na presença de anticorpos bloqueadores para IL-6 (α-IL-6) e um inibidor seletivo do receptor 1 de TGF-β (A8301), e como esperado, a expressão de CB2 foi regulada pelas vias IL-6 e TGF-β [12].
Mesilato de WIN 55-212.2 prejudica a ativação dos CAFs e a invasão tumoral induzida por eles
Neste artigo, os autores observaram que o mesilato de WIN 55-212.2 regulava negativamente a expressão da α-actina muscular lisa e da metaloprotease-2 da matriz, e inibia a migração dos CAFs, características essenciais para garantir o fenótipo CAF ativado e reativo.
Além disso, ao prejudicar a reatividade estromal, o mesilato de WIN 55-212.2 também afetou negativamente a capacidade de invasão das células cancerígenas mediadas por CAF.
Com o uso dos antagonistas seletivos de CB1 e CB2, os autores provaram que o mesilato de WIN 55-212.2 operava principalmente por meio do CB2 [12].
Canabinoides derivados de plantas e sua atividade antitumoral no câncer de próstata
Vários estudos pré-clínicos já investigaram a presença dos receptores CBs e TRPV1 nas linhagens de células tumorais da próstata, assim como, a capacidade de uma variedade de canabinoides derivados de plantas para inibir o câncer de próstata humano.
Num estudo publicado na revista Br J Pharmacol., os autores testaram canabinoides puros e extratos de cepas de Cannabis enriquecidas com canabinóides particulares (BDS), em células andrógenos-positivas (LNCaP e 22RV1) e negativas (DU-145 e PC-3), assim como em células derivadas de xenoenxertos gerados em camundongos atímicos a partir de células LNCaP e DU-145, e avaliaram a viabilidade celular, parada do ciclo celular e indução de apoptose destas células [13].
Os resultados demonstraram que o canabidiol inibiu significativamente a viabilidade celular, e concentrações de CBD (1-10 µM) induziram apoptose e marcadores de vias apoptóticas intrínsecas [13].
As células LNCaP diferenciadas para células neuroendócrinas insensíveis a andrógenos foram mais sensíveis à apoptose induzida por CBD [13]. Essa sensibilidade ao efeito pró-apoptótico do CBD deste fenótipo mais maligno e ‘não responsivo ao andrógeno’ pode fornecer uma nova estratégia para lidar com a frequente perda de eficácia dos antagonistas destes andrógenos contra o crescimento do câncer da próstata, observados após apenas alguns anos de tratamento.
O CBD-BDS também reduziu o tamanho do tumor em xenoenxertos gerados a partir de células LNCaP em modelos de animais. Nesses tumores, o CBD aumentou significativamente os efeitos anticancerígenos da bicalutamida (prolongando o tempo de sobrevivência dos animais), mas não os do docetaxel. Em vez disso, o CBD-BDS foi inativo por si só contra o crescimento de xenoenxertos DU-145 in vivo, embora tenha potencializado o efeito do docetaxel.
Esses achados sugerem que os extratos de Cannabis enriquecidos em CBD podem fornecer a base para novas terapias contra o câncer de próstata, seja como tratamentos isolados ou em adição aos medicamentos atualmente usados para esse tipo de tumor.
Em suma, os resultados dos estudos apresentados aqui enfatizam a importância do sistema endocanabinóide na progressão do câncer de próstata e reforçam o potencial terapêutico do mesilato de WIN 55-212.2 no tratamento deste tipo de câncer, uma vez que consegue impactar simultaneamente as células cancerígenas e os compartimentos estromais.
Os dados sobre os efeitos dos canabinóides e extratos de Cannabis podem encorajar estudos clínicos sobre estes compostos como terapia para câncer de próstata humano, seja como um agente único ou em combinação com compostos existentes.
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Referência:
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