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A resistência antimicrobiana é um assunto extensamente discutido entre especialistas pelo surgimento cada vez mais frequente de cepas bacterianas resistentes aos principais antibióticos disponíveis para uso.
Um dos exemplos mais atuais é o surgimento de casos da chamada supergonorreia nos Estados Unidos (EUA) devido a cepas ultra resistentes da bactéria Neisseria gonorrhoeae, a causadora da doença. Todo esse cenário nada favorável, levou importantes órgãos governamentais, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, a declarar que atualmente já vivemos uma era pós-antibiótica.
O tom um tanto quanto apocalíptico da declaração não está tão longe da verdade. O fato é que o uso indiscriminado e irresponsável dos antibióticos tem aumentando a resistência bacteriana, tornando escassas as alternativas terapêuticas para tratamento de doenças já bastante conhecidas.
Além disso, deixa vulnerável milhões de pessoas que possuem maior risco de infecção devido a intervenções cirúrgicas, tratamento de doenças como o câncer, transplante de órgãos, ou em outras condições que geram debilidade imune.
Portanto, é fundamental que investimentos sejam feitos para o desenvolvimento de novas opções terapêuticas para contrapor a resistência antimicrobiana. Neste cenário, a medicina canabinoide pode ser uma importante ferramenta devido a recentes descobertas acerca do potencial antimicrobiano do canabidiol (CBD).
CBD como um agente antimicrobiano
O CBD é um dos mais de 100 compostos presentes na planta cannabis e talvez seja o mais estudado atualmente. De fato, o CBD possui inúmeras aplicabilidades terapêuticas, como para o tratamento da epilepsia, dor crônica, ansiedade, depressão, síndrome de Tourette, entre outras [1].
Dentre estas muitas propriedades farmacológicas, estudos científicos de longa data já relatavam que o CBD possui potencial antimicrobiano para estafilococos e estreptococos Gram-positivos [2]. Em trabalhos mais recentes, os efeitos antibióticos da cannabis e do CBD foram novamente reforçados, apresentando efeitos principalmente contra seis cepas de Staphylococcus aureus resistentes à meticilina [3-5].
Nova pesquisa expande o potencial antimicrobiano do CBD
Em recente estudo científico, pesquisadores aprofundaram ainda mais as descobertas evidenciando que o CBD possui potencial antimicrobiano contra bactérias responsáveis por doenças como a gonorreia [1].
O trabalho foi realizado por pesquisadores australianos e pode levar ao desenvolvimento de uma nova classe de medicamentos antibióticos para tratamento de infecções bacterianas multirresistentes [1].
Segundo a pesquisa, o CBD é capaz de penetrar e matar uma ampla gama de bactérias, incluindo Neisseria gonorrhoeae. Esse tipo de bactéria é classificado como gram-negativa e possui uma membrana externa que funciona como uma barreira adicional que dificulta a penetração de antibióticos [1].
O CBD também foi eficaz contra um número muito maior de bactérias Gram-positivas em comparação ao relatado por estudos anteriores, incluindo o Staphylococcus aureus resistente à meticilina [1]. Parece que o CBD é eficiente em quebrar biofilmes (o mesmo gerado na placa bacteriana dental), o que também funciona como um mecanismo de sobrevivência da bactéria contra os antibióticos [1].
As bactérias poderiam criar resistência ao CBD?
Essa foi outra pergunta a qual a pesquisa dedicou esforços para responder. O modelo de pesquisa do estudo visou mimetizar um tratamento de duas semanas em modelos laboratoriais, de forma a avaliar se as bactérias poderiam ou não sofrer mutação e adquirir resistência ao composto [1].
De forma surpreendente, o CBD apresentou baixa capacidade de gerar resistência bacteriana ao longo do estudo, mesmo quando utilizado em altas concentrações. Acredita-se que o mecanismo de ação do CBD envolva o rompimento da membrana celular bacteriana, mas ainda são necessários mais estudos pare entender completamente como isso ocorre [1].
Devido à ameaça emergente de cepas multirresistentes de Neisseria gonorrhoeae, as descobertas da pesquisa abrem portas para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas baseando-se no CBD como forma de contornar a resistência bacteriana [1].
Estudos preliminares da relação estrutura-atividade indicam haver espaço para melhorar as propriedades antibióticas do CBD, sendo necessárias mais pesquisas para desenvolver análogos com atividade sistêmica in vivo, assim como ensaios clínicos para testar sua eficácia em seres humanos.
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Referências:
[1] Blaskovich MAT, Kavanagh AM, Elliott AG, Zhang B, Ramu S, Amado M, Lowe GJ, Hinton AO, Pham DMT, Zuegg J, Beare N, Quach D, Sharp MD, Pogliano J, Rogers AP, Lyras D, Tan L, West NP, Crawford DW, Peterson ML, Callahan M, Thurn M. The antimicrobial potential of cannabidiol. Commun Biol. 2021 Jan 19;4(1):7. doi: 10.1038/s42003-020-01530-y.
[2] Van Klingeren B, Ten Ham M. Antibacterial activity of delta9-tetrahydrocannabinol and cannabidiol. Antonie Van Leeuwenhoek. 1976;42(1-2):9-12. doi: 10.1007/BF00399444.
[3] Iseppi R, Brighenti V, Licata M, Lambertini A, Sabia C, Messi P, Pellati F, Benvenuti S. Chemical Characterization and Evaluation of the Antibacterial Activity of Essential Oils from Fibre-Type Cannabis sativa L. (Hemp). Molecules. 2019 Jun 21;24(12):2302. doi: 10.3390/molecules24122302
[4] Appendino G, Gibbons S, Giana A, Pagani A, Grassi G, Stavri M, Smith E, Rahman MM. Antibacterial cannabinoids from Cannabis sativa: a structure-activity study. J Nat Prod. 2008 Aug;71(8):1427-30. doi: 10.1021/np8002673
[5] Farha MA, El-Halfawy OM, Gale RT, MacNair CR, Carfrae LA, Zhang X, Jentsch NG, Magolan J, Brown ED. Uncovering the Hidden Antibiotic Potential of Cannabis. ACS Infect Dis. 2020 Mar 13;6(3):338-346. doi: 10.1021/acsinfecdis.9b00419
