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Potenciais efeitos terapêuticos do canabidiol nos sintomas da doença de Parkinson

O sistema endocanabinoide tem chamado significativa atenção entre os pesquisadores devido aos seus potenciais efeitos neuroprotetores para o tratamento das doenças neurodegenerativas.

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente [1], caracterizada pela morte precoce de neurônios dopaminérgicos na parte compacta da SN (SNpc), levando à deficiência de dopamina nos gânglios da base e a um distúrbio do movimento que consiste nos sintomas motores parkinsonianos clássicos.

No entanto, a DP também está associada a vários sintomas não motores, alguns dos quais precedem a disfunção motora em mais de uma década. A base do manejo da DP é o tratamento sintomático com drogas que aumentam as concentrações de dopamina no cérebro ou estimulam diretamente os receptores de dopamina.

Desenvolvimento de novas terapias farmacológicas para a doença de Parkinson

Embora a compreensão da fisiopatologia da DP tenha melhorado acentuadamente desde a sua caracterização inicial, ainda não foi desenvolvido um tratamento farmacológico eficaz para prevenir ou retardar a progressão da degeneração neuronal dopaminérgica.

Neste sentido, a farmacoterapia da DP continua sendo paliativa, visando restabelecer os níveis reduzidos de dopamina no corpo estriado.

O tratamento padrão é baseado no levodopa (L-DOPA), considerada uma droga segura e eficaz para reduzir os sintomas motores da DP, apresentando apenas efeitos colaterais leves, como náuseas, vômitos e hipotensão postural.

No entanto, a eficácia a longo prazo da L-DOPA é limitada pelo desenvolvimento de complicações motoras incapacitantes, como a discinesia induzida pela L-DOPA, um conjunto de movimentos involuntários anormais que incluem coreia, hemibalismo e atetose.

Nesse contexto, a busca por tratamentos mais eficazes e toleráveis é urgente, e o sistema endocanabinoide e seus componentes têm se mostrado uma alternativa promissora como tratamento em conjunto com as terapias convencionais, assim como envolvido em estudos na tentativa de encontrar novos agentes promissores [2].

Estudos pré-clínicos e sistema endocanabinóide.

Efeito antidiscinético do canabidiol em camundongos hemiparkinsonianos tratados cronicamente com levodopa

Um estudo publicado na revista Neurobiol Dis., empregou o modelo de 6-hidroxidopamina-neurotoxina em camundongos machos C57⁄BL6 para reproduzir o padrão de morte celular presente em pacientes com a DP [3].

Neste estudo, os camundongos com lesão estriatal unilateral receberam L-DOPA por 21 dias, desenvolvendo movimentos involuntários anormais (AIMs) axiais, membros, locomotores e orofaciais graves. Em seguida, os animais foram tratados com canabidiol (CBD) (intraperitonealmente) antes da L-DOPA por três dias, isoladamente ou em combinação com antagonistas TRPV-1, CB1 ou PPARγ.

Como resultados, os autores observaram que nem o CBD ou qualquer um dos antagonistas individualmente foram eficazes na diminuição dos movimentos involuntários anormais [3].

O CBD administrado com o antagonista do TRPV-1 capsazepina (CPZ) reduziu tais movimentos anormais. O tratamento com araquidonoil-serotonina (AA-5-HT), um inibidor da enzima responsável pelo metabolismo da anandamida (FAAH) e um bloqueador do TRPV-1, reproduziu esses achados [3].

O antagonista do receptor CB1 AM251 ou o antagonista do receptor PPARγ GW9662 reverteu seletivamente o efeito antidiscinético de CPZ + CBD, com AM251 diminuindo os movimentos anormais de membros e orofaciais, e GW9662 reduzindo os movimentos anormais axiais [3].

O tratamento com L-DOPA em camundongos hemiparkinsonianos aumentou os marcadores pró-inflamatórios ciclooxigenase-2 e o fator nuclear-kappa B no estriado lesionado. Esses marcadores também foram diminuídos pelo tratamento com CPZ + CBD [3].

Os resultados deste estudo indicam que embora a administração de CBD não consiga diminuir a discinesia induzida por L-DOPA, quando combinado com o antagonista do receptor TRPV1 capsazepina, é capaz de produzir um efeito antidiscinético significativo (a capsazepina sozinha também falhou em diminuir a discinesia) [3].

Estudos clínicos utilizando o sistema endocanabinóide em pacientes com a doença de Parkinson

Os efeitos do CBD no distúrbio comportamental do sono REM na DP

Num estudo clínico, publicado na revista J Clin Pharm Ther., os autores analisaram uma série de casos com quatro pacientes, e descreveram os efeitos benéficos do tratamento com CBD na redução de sintomas do distúrbio comportamental do sono REM na DP [4]. Nesta doença, o distúrbio do sono REM pode preceder o início dos sintomas motores em muitas décadas.

Nesta série de casos, os quatro pacientes, que foram tratados com CBD, tiveram redução imediata, substancial e persistente na frequência de eventos relacionados ao distúrbio [4].

Em pacientes com o distúrbio comportamental do sono REM, a depleção dos neurônios colinérgicos mesencefálicos poderia ser pelo menos parcialmente responsável pela gênese do distúrbio [5].

E essa hipótese poderia explicar, pelo menos em parte, a ação terapêutica dos inibidores da colinesterase [6], e poderia justificar a propriedade do CBD de melhorar os sintomas do distúrbio.

Os receptores CB1 estão distribuídos em áreas relacionadas ao sono, incluindo o prosencéfalo basal e os núcleos pedunculopontino e laterodorsal, e expressos em neurônios colinérgicos.

A ativação desses receptores pelo CBD poderia favorecer a liberação de acetilcolina e, consequentemente, causar melhora dos sintomas por meio de mecanismo semelhante ao proposto para os anticolinesterásicos [7].

Uma limitação deste estudo é que foi baseado em uma pequena série de casos de pacientes com distúrbio, e examinou os desfechos secundários, dificultando um exame clínico mais detalhado dos casos. Outra limitação inclui o curto período de seguimento.

Apesar dessas limitações intrínsecas, esta série de casos indica que o CBD consegue controlar os sintomas do distúrbio do sono REM, e mais pesquisas são necessárias em pacientes com a DP.

O canabidiol pode ser eficaz, seguro e bem tolerado para o tratamento da psicose na DP

Um estudo piloto aberto realizado em pacientes com a DP mostrou que doses orais de CBD variando de 150-400 mg/dia, combinadas com agentes antiparkinsonianos clássicos, reduziram os sintomas psicóticos avaliados por diferentes escalas (Breve Psychiatric Rating Scale [BPRS] e Parkinson Psychosis Questionnaire [PPQ]) sem influência nos sinais cognitivos e motores e sem efeitos colaterais graves [8].

Uma observação importante deste estudo foi que o CBD não piorou a função motora. Em vez disso, os escores de todos os itens da BPRS diminuíram, mas não atingiram significância estatística, incluindo o item ‘exame motor’, embora o escore total dessa escala tenha diminuído significativamente.

O efeito neuroprotetor do CBD nos gânglios basais humanos foi sugerido pela forte correlação positiva da relação N-acetilaspartato/creatina total e CBD no putamen/globus pallidum de usuários recreativos de cannabis. Isso pode refletir um aumento da integridade neuronal e axonal nessas regiões pelo CBD [9].

Outro achado importante foi que o CBD não induziu nenhuma diminuição na função cognitiva, assim como nenhum efeito adverso foi observado durante o seu tratamento.

Os resultados deste estudo piloto mostraram que o CBD pode ser eficaz, seguro e bem tolerado para o tratamento da psicose na DP. No entanto, ensaios controlados randomizados duplo-cegos seriam necessários para confirmar ainda mais essa observação.

Efeito do CBD na melhoria das medidas de qualidade de vida em pacientes com DP

Num outro estudo clínico, 21 pacientes com a DP sem demência ou comorbidades psiquiátricas foram divididos em três grupos que receberam placebo, CBD 75 mg/dia ou CBD 300 mg/dia. Uma semana antes do estudo e na última semana de tratamento, os participantes foram avaliados em relação à (i) pontuação de sintomas motores e gerais (UPDRS); (ii) bem-estar e qualidade de vida (PDQ-39); e (iii) possíveis efeitos neuroprotetores (BDNF e H(1)-MRS) [10].

O tratamento com 300 mg/dia de CBD melhoraram a mobilidade, o bem-estar emocional, a cognição, a comunicação e o desconforto corporal em comparação com o placebo [10].

Esse efeito pode estar relacionado às propriedades ansiolíticas, antidepressivas e antipsicóticas do CBD. Como o CBD é bem tolerado em humanos, esses efeitos positivos sugerem que pode ser uma alternativa promissora para a farmacoterapia da DP.

Portanto, estudos duplo-cegos, controlados por placebo e randomizados com amostras maiores de pacientes são necessários para avaliar o perfil de segurança do CBD com DP (incluindo segurança a longo prazo), possíveis interações com outros medicamentos antiparkinsonianos e possíveis efeitos colaterais, bem como a janela terapêutica para sintomas motores e não motores da DP também são necessários.

 

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Referência:

[1] Hirsch L, Jette N, Frolkis A, Steeves T, Pringsheim T. The incidence of Parkinson’s disease: a systematic review and meta-analysis. Neuroepidemiology. 2016;46(4):292–300.

[2] Fernández-Ruiz J, Romero J, Ramos JA (2015) Endocannabinoids and neurodegenerative disorders: Parkinson’s disease, Huntington’s chorea, Alzheimer’s disease, and others. In: Pertwee R (ed) Endocannabinoids. Handb Exp Pharmacol, 231(2015). Springer, pp. 233–259. 10.1007/978-3-319-20825-1_8.

[3] Dos-Santos-Pereira M, da-Silva CA, Guimarães FS, Del-Bel E. Co-administration of cannabidiol and capsazepine reduces L-DOPA-induced dyskinesia in mice: Possible mechanism of action. Neurobiol Dis. 2016 Oct; 94:179-95. doi: 10.1016/j.nbd.2016.06.013. Epub 2016 Jun 29. PMID: 27373843.

[4] Chagas MH, Eckeli AL, Zuardi AW, Pena-Pereira MA, Sobreira-Neto MA, Sobreira ET, Camilo MR, Bergamaschi MM, Schenck CH, Hallak JE, Tumas V, Crippa JA. Cannabidiol can improve complex sleep-related behaviours associated with rapid eye movement sleep behaviour disorder in Parkinson’s disease patients: a case series. J Clin Pharm Ther. 2014 Oct;39(5):564-6. doi: 10.1111/jcpt.12179. Epub 2014 May 21. PMID: 24845114.

[5] Benarroch EE, Schmeichel AM, Parisi JE. Depletion of mesopontine cholinergic and sparing of raphe neurons in multiple system atrophy. Neurology, 2002; 59: 944– 946.

[6] Ringman JM, Simmons JH. Treatment of REM sleep behavior disorder with donepezil: a report of three cases. Neurology, 2000;55:870–871

[7] Acquas E, Pisanu A, Marrocu P, Di Chiara G. Cannabinoid CB (1) receptor agonists increase rat cortical and hippocampal acetylcholine release in vivo. Eur J Pharmacol, 2000;401:179–185.

[8] Zuardi AW, Crippa JA, Hallak JE, Pinto JP, Chagas MH, Rodrigues GG, et al. Cannabidiol for the treatment of psychosis in Parkinson’s disease. J Psychopharmacol. 2009; 23:979–83.

[9] Hermann D, Sartorius A, Welzel H, Walter S, Skopp G, Ende G, Mann K. Dorsolateral prefrontal cortex N-acetylaspartate/total creatine (NAA/tCr) loss in male recreational cannabis users. Biol Psychiatry. 2007 Jun 1;61(11):1281-9. doi: 10.1016/j.biopsych.2006.08.027. Epub 2007 Jan 17. PMID: 17239356.

[10] Chagas MH, Zuardi AW, Tumas V, Pena-Pereira MA, Sobreira ET, Bergamaschi MM, dos Santos AC, Teixeira AL, Hallak JE, Crippa JA. Effects of cannabidiol in the treatment of patients with Parkinson’s disease: an exploratory double-blind trial. J Psychopharmacol. 2014 Nov;28(11):1088-98. doi: 10.1177/0269881114550355. Epub 2014 Sep 18. PMID: 25237116.

 

Link:

Sistema endeocanabinóide: https://www.biocasebrasil.com/2022/08/05/doenca-de-parkinson/