A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa debilitante caracterizada pelo declínio da cognição e comprometimento comportamental, e marcada por placas β-amiloides extracelulares, emaranhados neurofibrilares intracelulares (NFT), estresse oxidativo, neuroinflamação e neurodegeneração [1].
Atualmente, não há cura para a DA e os tratamentos aprovados não interrompem ou retardam a progressão da doença, destacando a necessidade de novas estratégias terapêuticas.
Alterações no sistema endocanabinóide na doença de Alzheimer
Os fitocanabinóides, incluindo o canabidiol (CBD) e o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), interagem com o sistema endocanabinóide e têm propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e neuroprotetoras, podendo melhorar as patologias relacionadas a amiloide-β e NFT e promovendo a neurogênese [2].
O sistema endocanabinóide é composto pelos receptores canabinóides 1 e 2 (CB1R e CB2R, codificados por CNR1 e CNR2), anandamida (AEA) e 2-aracidonoilglicerol (2-AG), e enzimas envolvidas na suas biossínteses ou degradações [3].
Alterações no sistema endocanabinóide foram encontradas na DA, com visões conflitantes de que a sinalização endocanabinóide é regulada positivamente para neutralizar a hiperatividade neuronal e a neuroinflamação, ou que a própria regulação positiva contribui para os sintomas da DA, como perda de memória.
Sistema endocanabinóide e neuroinflamação
A regulação positiva do CB2R foi encontrada ex vivo no tecido cerebral de pessoas com DA e em modelos de roedores relevantes para a doença, com evidências sugerindo que a expressão de CB2R é ativada devido à imunomodulação induzida pelos eventos patogênicos presentes na DA.
Além disso, camundongo transgênicos com mutações na proteína precursora amilóide (APP) e presenilina 1 (PS1) e nocautes para CNR2 exibiram níveis reduzidos de micróglia, macrófagos infiltrantes, quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias, e Aβ solúvel reduzido [4].
Em um modelo farmacológico da DA em camundongo, o tratamento de 7 dias com CBD atenuou a neuroinflamação evocada por Aβ de forma dependente da dose. Nestes estudos, o CBD inibiu a expressão da proteína ácida fibrilar glial (GFAP), sintase de óxido nítrico induzível (iNOS) e interleucina 1 beta (IL-1β) [5], mediado via PPARγ e associado ao aumento da neurogênese [6].
Estudos in vivo mostram que baixas doses de THC podem melhorar o desempenho cognitivo
A administração crônica de 1 e 3 mg/kg de THC restaurou a função cognitiva de camundongos de 12 (apenas 3 mg avaliados) e 18 meses [7].
Em pessoas com demência por todas as causas ou DA, o THC demonstrou melhorar o ganho de peso e os sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD) [8].
Outros estudos não encontraram efeitos benéficos do THC para a demência, mas concluíram que até 4,5 mg de THC diariamente é bem tolerado [9].
Efeito “entourage” do tratamento de combinações de canabinóides e extratos de cannabis na doença de Alzheimer
A inclusão de outros canabinóides, particularmente CBD, na formulação pode ajudar a bloquear os efeitos negativos do THC, devido ao “efeito entourage” que se refere à tendência dos canabinóides interagirem quando administrados juntos, mas também à ideia de que os terpenóides e flavonóides presentes nos extratos de cannabis podem contribuir para a sinergia geral do tratamento [10].
Dado isso, e que a baixa dose de THC tem potencial para melhorar a cognição in vivo e melhorar os sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD) em ensaios clínicos, a inclusão de baixos níveis de THC em um medicamento para AD à base de cannabis pode ser de valor, apesar do efeito colateral em doses mais altas.
Tratamentos com canabinóides envolvendo uma combinação de THC e CBD e outros canabinóides e resultados terapêuticos na DA
Pesquisas sugerem que os tratamentos com canabinóides envolvendo uma combinação de THC e CBD e outros canabinóides podem produzir maiores resultados terapêuticos e menos efeitos adversos do que o tratamento com isolados de canabinóides purificados.
Por exemplo, o CBD pode se opor aos efeitos indesejáveis do THC (por exemplo, intoxicação e sedação), enquanto potencializa as propriedades analgésicas e antieméticas.
É importante ressaltar que os canabinóides funcionam de maneira bifásica e dependente da dose, e desta maneira, a dosagem e as proporções em que as combinações de canabinóides são administradas afetam o perfil terapêutico geral [11].
Por exemplo, foi sugerido que uma proporção de 8.1:1 CBD:THC pode resultar na observação do antagonismo do CBD nos efeitos induzidos pelo THC, enquanto uma proporção de 1.8:1 CBD:THC pode resultar na potencialização dos efeitos do THC [11].
O uso de terapias combinadas de cannabis para DA em estudos in vivo
No contexto das estratégias de terapia com multicanabinóides é relevante notar que os efeitos prejudiciais do THC coadministrado parece depender da idade e da quantidade do THC.
Por exemplo, o tratamento com extrato rico de THC (0,75 mg/kg) em camundongos controles resultou em um índice de reconhecimento reduzido na tarefa de reconhecimento de dois objetos quando comparado a camundongos controles tratados com veículo [12].
No entanto, as deficiências de cognição induzidas pelo THC apareceram apenas evidentes em animais jovens e saudáveis, e em relação a terapia para a DA, a dose baixa de THC e a proporção 1:1CBD:THC não tiveram propriedades de comprometimento cognitivo em animais transgênicos mais velhos ou em modelos da DA e, em vez disso, melhorou a cognição [12].
É importante ressaltar que mais pesquisas são necessárias, incluindo estudos clínicos para terapia combinada de multicanabinóides na DA.
Ensaios clínicos atuais testando estratégias de tratamento com multicanabinóides
Um estudo piloto observacional prospectivo de 2019 em 10 mulheres com demência grave e SCPD receberam medicação oral com uma média de 7,6 mg THC/13,2 mg CBD diariamente após 2 semanas, 8,8 mg THC/17,6 mg CBD após 1 mês e 9,0 mg THC/18,0 mg CBD após 2 meses [13].
Os resultados demonstraram que 2 meses dessa dosagem titulada de tintura ou óleo de CBD:THC reduziu os sintomas neuropsiquiátricos, agitação e rigidez destas pacientes, e resultou em melhorias para comportamentos como gritos e agressão [13].
É importante ressaltar que vários participantes do estudo conseguiram reduzir ou interromper as terapias opióides (para dor) que resultaram na cessação da constipação, e outras interromperam ou reduziram o uso de medicamentos antipsicóticos e ansiolíticos. Um efeito colateral observado neste estudo foi a formação de úlceras na boca com o uso da forma tintura do medicamento.
Infelizmente, o pequeno tamanho da amostra do estudo acima e a falta de grupos de controle apropriados significam que esses resultados devem ser tratados com cautela. No entanto, os resultados apontam para a aceitabilidade e tolerabilidade de terapias de combinação de canabinóides para DA em humanos.
Em suma, o tratamento da DA usando uma estratégia multicanabinóide (como extratos de planta inteira de cannabis ou combinações específicas de CBD:THC) pode ser mais eficaz em comparação com as estratégias de tratamento isolado de canabinóides, e mostram potencial como uma futura opção terapêutica para a DA.
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Referência:
[1] 2021 Alzheimer’s disease facts and figures. Alzheimers Dement. 2021 Mar;17(3):327-406. doi: 10.1002/alz.12328. Epub 2021 Mar 23. PMID: 33756057.
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