O sistema endocanabinóide é um sistema antigo, conservado em aspectos evolutivos e baseado em um sistema de sinalizadores lipídicos presentes em todos os vertebrados, além disso, tal sistema parece possuir uma importante função reguladora no corpo humano(1). O sistema endocanabinóide foi relacionado à uma larga quantidade de processos fisiológicos e patológicos, incluindo desenvolvimento neural, função imune, inflamação, apetite, metabolismo e homeostase, função cardiovascular, digestão, formação dos ossos e de sua densidade, plasticidade sináptica e aprendizado, dor, reprodução, doenças psiquiátricas, comportamento psicomotor, memória, ciclos de vigília/sono, e a regulação do stress e estado emocional (2,3,4)
Componentes do Sistema Endocanabinóide:
O sistema consiste nos receptores canabinóides 1 e 2(CB 1e CB2), os receptores CB possuem ligantes: N-araquidoniletanolamina (i.e – anandamida||ou AEA) e a 2-araquidonilglicerol(2-AG) como também as enzimas que sintetizam e degradam endocanabinóides como as amidas de acido graxo hidrolases(AAGH) e a monoacilglicerol lipase (MAGL) (2). Anandamida e a 2-AG são vistas como as mediadoras primárias da sinalização canabinóide, mas outras moléculas endógenas que causam um efeito canabinóide-like também já foram descritas. Estas moléculas incluem a 2-araquidonilglicerol éter(noladin), n-araquidonil dopamina (NADA), virodamina, homo-γ-linoleniletanolamina.(HEA) e o Ndocosatetraenoylethanolamine (DEA) (2,5,6,7,8). Moléculas como o Palmitoiletanolamida (PEA) e oleiletanolamida(OEA) não parecem ligar-se aos receptores canabinóides mas sim à isoenzimas específicas que pertencem à uma classe nuclear de fatores receptores/transcriptores conhecidas como receptores proliferadores de peroxissoma(RPP). Estes endocanabinóides, podem, no entanto, potencializar o efeito da andanamida por inibição competitiva de amidas de ácidos graxos hidrolases e/ou por efeitos alostéricos diretos em outros receptores como o receptor de canal de potencial transiente vanilóide (CPTV1) (9). Esses tipos de efeitos são geralmente referidos como efeito comitiva|| (9,10)
Síntese de Endocanabinóides
Endocanabinóides são derivados do ácido araquidônico os quais são sintetizados- conforme a demanda – pelos precursores da membrana fosfolipídica em resposta às necessidades celulares (2,11,12,13). Anandamida é produzida principalmente pela transferência do ácido araquidônico da fosfatildilcolina para a fosfatildiletanolamina pela N-acetiltransferase(NAT) para produzir a N-araquidonoilfosfatidiletanolamina (NAPE). A NAPE é então hidrolisada para formar anandamida através de uma fosfolipase específica da NAPE (fosfolipase D) (2,14). Em contraste, 2-AG é primariamente sintetizada pela hidrólise do fosfatildilinositol-4-5-bifosfato com ácido araquidonico na posição sn-2(mediada pela fosfolipase C- β) para produzir diacilglicerol(DAG) DAG é então hidrolisada para 2AG por uma lipase-DAG específica. (2,14). Enquanto a anandamida e a 2-AG são ambos derivados do ácido araquidônico, os mesmos são sintetizados através de caminhos distintos daqueles utilizados para sintetizar eucasinóides(15).
No entanto,parece haver uma certa quantidade de ligações estudadas entre os eucasinóides e as vias de produção de endocanabinóides (15)
Genética e Sinalização através de receptores Endocanabinóides
Endocanabinóides como a anandamida e a 2-AG, como também os fitocanabinóides Δ9- tetrahidrocannabinol (Δ9 –THC), Δ 8 –THC, canabinol e outros, ligam-se aos receptores CB 1 e CB2, ativando-os(com diferentes afinidades e eficácias). Esses receptores são acoplados à proteina G, e ativam cascadas de sinalização dependentes de GI/GO(estímulos( (16,17). Os receptores são codificados por genes separados encontrados em cromossomos separados; em humanos, o locus do receptor CB1 (CNR1) é encontrado no cromossomo 5q15, enquanto o locus do receptor CB2(CNR2) é encontrado no cromossomo 1p36(18). A sequência de codificação do CNR1 consiste em um exon codificando uma proteína de 472 aminoácidos(19). A proteína do receptor CB1 divide uma sequência de 97-99% dos mesmos aminoácidos através das diferentes espécies(humano, rato, camundongo) (19). Como na sequência de codificação do CNR1, a sequência do CNR2 consiste em apenas um exon, porém este codifica uma proteína menor, de 360 aminoácidos. O receptor humano CB2 divide 48% da sua identidade de aminoácidos com o receptor humano CB1; o receptor do camundongo(CB2) divide 82% de sua identidade de aminoácidos com o receptor humano CB2(19)
A ativação dos receptores ligados à proteína G dos CB1/CB2 resulta em inibição da atividade da adenilil ciclase, diminuindo a formação do AMP cíclico com uma correspondente diminuição na atividade da proteína quinase tipo A, e a inibição do influxo de Ca+2 através dos várioscanais de cálcio; além disso, resulta na estimulação da retificação interna de canáis de potássio (K+) e das cascatas de sinalização da proteínas quinase ativadas pelos Mitogenos (PAM) (3,12). Anandamida é uma agonista parcial dos receptores CB, e liga-se com uma afinidade um pouco maior ao receptor CB1 em comparação ao CB2(2,20). 2-AG aparenta ligar-se igualmente bem com ambos os receptores(com uma melhor afinidade ao CB1), embora tenha maior potência e eficácia do que a anandamida nos receptores CB(2,20). No sistema nervoso central (SNC), o efeito da ativação do receptor CB1 é a supressão da liberação de neurotransmissores (5-hidroxitriptamina, glutamato, acetilcolina, GABA, noradrenalina, dopamina, D-aspartato, colecistoquinina) tanto nas sinapses excitatórias quanto inibitórias, trazendo efeitos de curto e longo prazo (2,16,21). Inibição da liberação de neurotransmissores ocorre através de um mecanismo de sinalização retrógrada onde endocanabinóides sintetizados e liberados pelos neurônios pós-sinápticos difundem-se de volta através da fenda sináptica e ligam-se aos receptores CB1 localizados nos terminais pré-sinápticos(3). Esse sistema de sinalização retrógrada permite a regulação da neurotransmissão de uma maneira precisa(no quesito espaço-temporal) (3). Nas células imunes, a ativação dos receptores CB2 inibe a liberação de citocinas/quimiocinas e a migração de neutrófilos e macrófagos, dando surgimento à efeitos complexos na modulação da função do sistema imune (17)
Expressão e distribuição dos receptores canabinóides
CB1 receptor expression appears to be relatively sparse in the brainstem region (4). CB2 receptors are most highly concentrated in the tissues and cells of the immune system such as the leukocytes and the spleen, but can also be found in bone and to a lesser degree in liver and in nerve cells including astrocytes, oligodendrocytes and microglia, and even some neuronal sub-populations (reviewed in (42,4
A maioria dos tecidos contém um sistema funcional endocanabinóide com receptores CB1 e CB2, contando com padrões distintos de expressão tecidual. Os receptores CB1 são dos mais abundantes da classe de receptores ligados à proteína G encontrados no sistema nervoso central e periférico (17). Tais receptores foram detectados no córtex cerebral, hipocampo, amígdala, gânglios basais, substância negra e rediculada, segmentos internos e externos do globo pálido e cerebelo (camada molecular) e nos níveis centrais e periféricos das vias de dor incluindo a substância cinzenta periaquedutal, medula rostral ventrolateral, regiões aferentes da medula dorsal incluindo nociceptores periféricos, e interneurônios espinhais (4,21,22). Os receptores CB1 são expressos em vários outros órgãos e tecidos como os adipócitos, leucócitos, baço, coração, pulmão, trato gastrointestinal(fígado, pâncreas, estômago, intestinos), rins, bexiga, órgãos reprodutivos, músculos esqueléticos, ossos, articulações e pele (23 ao 41). A expressão de receptores CB1 parece ser particularmente esparsa na região do tronco cerebral. (4). Os receptores CB2 são mais concentrados nos tecidos e células do sistema imune como os leucócitos e o baço, mas também podem ser encontrados em menor quantidade no fígado, nas células nervosas como osastrócitos, oligodentrócitos e até mesmo em algumas subpopulações neurais ((revisto 42,43))
Outros alvos moleculares dos canabinóides
Além dos já conhecidos receptores CB1 e CB2, acredita-se que um número de diferentes canabinóides liguem-se em uma variedade de outros alvos moleculares. Tais alvos incluem o terceiro receptor putativo canabinóide GPR55, a família de potencial receptor transiente canal de cátions(TRP), e uma classe de receptores e fatores de transcrição nucleares conhecidas como os receptores proliferadores de peroxissoma(RPP). Para detalhes adicionais acerca desse assunto por favor consulte os seguintes recursos (7,8,20,44). Modulação desses alvos canabinóides adiciona camadas extras de complexidade na miríade de efeitos conhecidos dos canabinóides
Terminais de Sinalização
O sistema de sinalização endocanabinóide é rapidamente terminado pela ação de duas enzimas hidroliticas: as amidas de acido graxo hidrolases(AAGH) e a monoacilglicerol lipase (MAGL) (3). A AAGH é primariamente localizada na região pós-sináptica (45,46) e degrada preferencialmente a anandamida (13); a MAGL é localizada mais na região pré sináptica(45,46) e prefere o catabolismo da 2-AG(13)
Desregulação do sistema endocanabinóide e desafios gerais na terapêutica utilizando canabinóides
A desregulação do sistema endocanabinóide aparenta estar conectada com uma variedade de condições patológicas, com as mudanças no funcionamento do sistema sendo tanto adaptativas quanto mal-adaptativas (47). A modulação do sistema endocanabinóide através da inibição de algumas vias metabólicas específicas, e/ou agonismo direto/antagonismo de seus receptores pode nos prometer usos terapêuticos. (12) . No entanto, uma dificuldade grande e bastante frequente que atrapalha o uso de canabinóides psicoativos (como o THC) na clínica ainda é o desafio de conseguir com que haja uma ação seletiva no local da doença, enquanto as outras regiões saudáveis são poupadas (como o humor e os centros de cognição cerebral) (21,47 a 50)